Solidão e Melancolia: Entre o Silêncio e a Reflexão
- Cristiano F.

- 26 de fev. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 20 de jul.
Para compreender o sentimento de solidão, é fundamental considerar o sujeito em seu contexto social, emocional e psicológico. A solidão não pode ser avaliada apenas por sua presença pontual, mas também pela intensidade e frequência com que se manifesta no cotidiano da pessoa.
Quem nunca se sentiu sozinho, mesmo estando cercado de pessoas? Ou, ao contrário, já esteve de fato sozinho e não experimentou tristeza? À primeira vista, a solidão pode parecer um sentimento simples de ser identificado, mas torna-se complexa quando nos deparamos com casos de pessoas que possuem casa, trabalho, família, amigos — e, ainda assim, convivem com uma profunda sensação de vazio e desconexão.
Pense naquele sujeito que sai para uma festa em busca de distração, companhia e alegria. Em meio à música alta e ao ambiente animado, ele, de repente, se sente deslocado. Afasta-se da pista de dança, procura um canto mais isolado, evita conversas. Seus pensamentos são invadidos por lembranças difusas, muitas vezes dolorosas e atemporais. Em uma tentativa de escapar de si mesmo, ele bebe além do necessário ou simplesmente decide ir embora sem ter encontrado o que foi buscar.
A solidão, em certa medida, é parte da condição humana e pode ser até benéfica quando vivida de forma consciente. Momentos de solitude favorecem a introspecção, o autoconhecimento e a criação. É nesse estado que nascem poesias, pinturas, músicas, reflexões filosóficas. Quando não tem um caráter patológico, a solidão pode se tornar um território fértil para a expressão artística e existencial.
No entanto, quando esse sentimento começa a comprometer a vida profissional, familiar e social do indivíduo, é preciso atenção. A solidão patológica — muitas vezes acompanhada de melancolia — pode sinalizar um sofrimento psíquico mais profundo, como a depressão ou traços de um vazio existencial que pede escuta, cuidado e compreensão.
Em resumo, a solidão não é, por si só, um problema. Ela pode ser uma oportunidade de reconexão interna. Mas quando se transforma em um estado permanente de desconexão do mundo e de si mesmo, ela deixa de ser escolha e passa a ser um sofrimento que merece ser acolhido com seriedade.


Há pessoas que passam boa parte da vida em solidão — e, ainda assim, não experimentam sofrimentos profundos. Nesses casos, estar só não é sinônimo de tristeza, mas sim uma escolha consciente, um modo singular de existir e de se relacionar com o mundo. São indivíduos que, por exemplo, optaram por não se casar ou por não dividir o espaço cotidiano com outra pessoa. Essa forma de vida pode refletir uma preferência pessoal, uma busca por autonomia, introspecção ou paz.
No entanto, existe também uma outra forma de solidão: aquela que se instala mesmo quando se está cercado de pessoas. São indivíduos que, apesar de estarem inseridos em grupos familiares, profissionais ou sociais, sentem-se profundamente abandonados, desconectados e tristes. Nesses casos, a solidão não é uma escolha, mas um estado de sofrimento psíquico que pode gerar angústia e sensação de invisibilidade.
Vivemos em uma sociedade que valoriza a extroversão e o relacionamento interpessoal. Espera-se que as pessoas sejam sociáveis, que busquem vínculos e que compartilhem a vida em comunidade. Até mesmo os mais tímidos, em algum momento, costumam encontrar meios de se relacionar. Porém, quando o isolamento se torna excessivo e repetitivo, pode sinalizar algo mais profundo.
Quando a solidão está associada à depressão, o sujeito tende a evitar vínculos e a se recolher, como se buscasse proteção em um esconderijo emocional. Nesses casos, o isolamento é marcado por uma fuga — não apenas do outro, mas de si mesmo. Pode refletir baixa autoestima, medo de rejeição, desinteresse pela vida e sensação de inutilidade.
A depressão, como sabemos, se manifesta em diferentes intensidades — desde quadros mais leves até formas severas. A vida moderna impõe uma série de exigências, frustrações e cobranças. Não é raro que muitos, em algum momento, atravessem episódios depressivos, ainda que não tenham consciência disso — especialmente quando os sintomas são sutis.
A solidão torna-se um sintoma relevante da depressão quando está acompanhada de tristeza persistente, perda de interesse por atividades antes prazerosas, isolamento voluntário, sentimentos de rejeição sem fundamento real, e rebaixamento da autoestima. Nesses casos, o sujeito não apenas se sente só — ele se desconecta de sua própria vitalidade.
Reconhecer a diferença entre a solidão escolhida e a solidão sofrida é essencial para compreender os limites entre o silêncio fértil da introspecção e o vazio emocional da dor psíquica.
Os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição. (Freud, 1995, p.250).
Na obra “Luto e Melancolia” (1914-1916), Freud descreve aspectos fundamentais da vivência melancólica — o que hoje se aproxima do que popularmente chamamos de depressão. Entre os elementos centrais, observamos que, quanto mais grave o quadro depressivo, maior a incapacidade do sujeito em lidar com seus afetos destrutivos. O isolamento é uma característica marcante: a pessoa perde gradualmente o prazer nas relações com o mundo externo e volta-se para si mesma, alimentando sentimentos de desvalorização, culpa e autopunição. Surge, então, a ideia de que não é digna de viver experiências boas ou de manter vínculos afetivos saudáveis.
Há casos em que o sujeito associa sua solidão a uma perda concreta — como a morte de alguém amado, a perda de um emprego, de um bem material ou mesmo de uma idealização. Fugir da realidade ou evitar o enfrentamento da dor torna-se um comportamento recorrente. O isolamento, nesse sentido, funciona como uma defesa contra novas frustrações ou riscos de perdas. A pessoa acredita, inconscientemente, que permanecer só e triste é uma forma de punição merecida. Quando tenta se relacionar, muitas vezes o faz de maneira superficial, adotando uma postura de frieza emocional, como se quisesse se proteger do envolvimento afetivo.
A pessoa em estado depressivo-melancólico, mesmo sendo alguém com qualidades e capacidades, tende a manter uma visão negativa de si. Ela não consegue reconhecer seus potenciais com clareza e, mesmo quando os enxerga, não os sente como pertencentes ao seu ego. É como se houvesse um hiato entre aquilo que é e aquilo que consegue sentir sobre si mesma.
Uma mulher boa, capaz e conscienciosa, não terá palavras mais elogiosas para si mesma, durante a melancolia, do que uma que de fato seja desprovida de valor; realmente, talvez a primeira tenha mais probabilidades de contrair a doença do que a segunda, a cujo respeito também nós nada teríamos a dizer de bom. Por fim, deve ocorrer-nos que, afinal de contas, o melancólico não se comporta da mesma maneira que uma pessoa esmagada, de uma forma normal, pelo remorso e pela auto-recriminação (Freud, 1995, p.252).
Diante da complexidade em identificar as causas da solidão e da melancolia — fenômenos profundamente subjetivos e singulares em cada indivíduo — é fundamental que a pessoa que vivencia esse sofrimento busque ajuda profissional o quanto antes, enquanto ainda dispõe de recursos psíquicos para lidar com sua dor.
A psicoterapia tem se mostrado uma importante aliada no tratamento da depressão, pois promove o autoconhecimento, amplia a capacidade de elaboração emocional e fortalece o sujeito em sua busca por sentido e reconexão com a vida. Por meio do processo terapêutico, é possível compreender as origens do sofrimento, ressignificar vivências e desenvolver novas formas de enfrentamento.
Além do acompanhamento psicológico, é essencial contar com o apoio da família e de pessoas com vínculos afetivos significativos. Relações baseadas na escuta, acolhimento e presença empática podem oferecer um importante sustento emocional, favorecendo a recuperação e o fortalecimento do indivíduo em momentos de vulnerabilidade psíquica.
Para (TEIXEIRA, 2007), os sintomas que geralmente estão vinculados à depressão LEVE são:
● transtorno de humor, ● falta de esperança, ● desmotivação, ● insegurança, ● isolamento social e familiar, ● perda de interesse por atividades antes prazerosas, ● apatia, ● falta de apetite e de concentração, ● insônia, ● perda de memória.
A melancolia é uma doença que veio para ficar, nas suas manifestações sutis e avassaladora ela tende a afetar as relações saudáveis. Renato Russo em sua canção "Esperando por mim", faz a relação da solidão com a depressão/melancolia.
Renato Russo, em um trecho marcante de sua música, afirma que "o mal do século é a solidão" — uma reflexão profunda sobre os dilemas da existência, a finitude da vida e a fragilidade das relações humanas. Nesse contexto, a solidão não se refere apenas à ausência física de pessoas, mas sim à sensação de estar cercado por outros e, ainda assim, não ser compreendido.
No fundo, todos nós desejamos ser vistos, acolhidos e compreendidos em nossa singularidade. No entanto, o que predomina em nossa sociedade são vínculos cada vez mais superficiais. Vivemos imersos em uma cultura da pressa, onde o cotidiano acelerado rouba o tempo da escuta sensível. As pessoas estão sempre ocupadas, dispersas, e muitas vezes não se permitem — ou não conseguem — parar para perceber verdadeiramente o que o outro sente.
Essa desconexão emocional aprofunda a experiência da solidão, tornando-a não apenas um estado, mas um sofrimento silencioso que clama por atenção, empatia e escuta genuína.
Autor: Cristiano Ferreira/ Psicanalista - graduado em psicologia/ Pós graduando em psicologia hospitalar
Referencia Bibliográfica:
Freud, Sigmund A História do Movimento Psicanalítico, Artigos Sobre a Metapsicologia e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1995.




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