Perversão e ética: Impacto no trabalho?
- Cristiano F.

- 30 de out.
- 4 min de leitura
Atualizado: há 7 dias

Perversão e Ética no Trabalho: Quando o Poder Corrompe as Relações Humanas
Imagine um ambiente de trabalho onde a manipulação e a exploração emocional se tornam a norma. Onde a busca incessante por poder individual suplanta a colaboração e a ética profissional.Essa é a realidade que emerge quando a perversão se infiltra nas dinâmicas organizacionais, corroendo a confiança e comprometendo a integridade coletiva.
Neste artigo, exploro o impacto da perversão no ambiente de trabalho, a partir do olhar da psicanálise freudiana — entendendo suas manifestações, consequências e caminhos possíveis para reconstruir um espaço ético e saudável.
O Que É a Perversão Segundo Freud
Na psicanálise, o termo perversão não se limita à esfera sexual.Sigmund Freud, em sua obra clássica Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), mostra que a sexualidade humana é originalmente “perversa polimorfa” — ou seja, o prazer pode se ligar a diferentes objetos e zonas do corpo, antes de se organizar segundo as normas da vida adulta.
Essa ideia amplia o conceito de perversão:
“Nenhum ser humano pode ser considerado absolutamente normal em seu comportamento sexual.”— Freud, 1905
A perversão, portanto, não é apenas um desvio, mas uma forma de relação com o outro. Quando o prazer do sujeito depende do sofrimento ou da manipulação do outro, estamos diante de uma estrutura perversa.
No ambiente de trabalho, isso se traduz em prazer pelo controle, pela dominação e pela humilhação simbólica — o gozo em ver o outro subjugado.
A Perversão nas Relações de Trabalho
No contexto corporativo, a perversão se manifesta por meio de comportamentos manipuladores, desrespeitosos e exploratórios.O “perverso organizacional” costuma utilizar o outro como objeto, e não como sujeito, transformando o ambiente em um palco de jogos de poder.
Essas atitudes se expressam de forma sutil — através de:
Comentários sarcásticos e humilhações disfarçadas;
Omissão intencional de informações;
Desvalorização do trabalho alheio;
Isolamento e exclusão de colegas;
Sabotagem e difamação.
Freud descreve, em Pulsões e seus Destinos (1915), que o sadismo e o masoquismo representam duas faces de uma mesma dinâmica: o prazer de dominar ou ser dominado. No campo organizacional, essa lógica se repete nas relações de poder, quando o sofrimento do outro se torna fonte de satisfação inconsciente.
A Negação e o Duplo Discurso Ético
Em Fetichismo (1927), Freud introduz o conceito de negação (Verleugnung) — mecanismo psíquico em que o sujeito reconhece uma verdade, mas a desmente para manter seu prazer.No ambiente corporativo, isso aparece como duplo discurso ético: o indivíduo sabe o que é certo, mas age como se as regras não se aplicassem a ele.
É o gestor que fala sobre “respeito e empatia”, mas pratica o abuso de poder; o colega que prega colaboração, mas sabota silenciosamente.Essa negação da ética é uma forma moderna da perversão freudiana: reconhecer o limite e, ainda assim, transgredi-lo.
O Impacto da Perversão no Ambiente Organizacional
Freud, em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), explica que o líder e o grupo se influenciam mutuamente por meio da identificação.Quando a figura de autoridade tem traços perversos — manipulador, narcisista, insensível —, seu comportamento tende a contaminar o coletivo.
As consequências são devastadoras:
Assédio moral: humilhações, constrangimentos e perseguições sistemáticas.
Clima organizacional tóxico: medo, desconfiança e competição desleal.
Queda de produtividade: funcionários desmotivados e emocionalmente exaustos.
Aumento do turnover: talentos abandonam a empresa por falta de segurança emocional.
Danos à imagem institucional: empresas que toleram abusos perdem credibilidade interna e externa.
Esses efeitos traduzem o que Freud chama, em O Mal-Estar na Civilização (1930), de tensão entre o instinto e a ética — quando o impulso de dominação supera o pacto simbólico da convivência.
Como Mitigar a Perversão e Promover a Ética
Combater a perversão organizacional requer uma resposta simbólica e institucional.Não basta coibir comportamentos pontuais — é preciso reconstruir o laço ético que sustenta o grupo.
1. Estabelecer Políticas Claras e Transparentes
Um código de ética bem definido atua como um superego institucional, delimitando os comportamentos aceitáveis e as sanções aplicáveis.A clareza reduz as brechas onde a manipulação prospera.
2. Promover uma Cultura de Respeito e Empatia
A liderança precisa encarnar os valores que prega.A ética não se impõe por decreto, mas pelo exemplo. Como mostra Freud (1921), o grupo tende a reproduzir o modelo do líder — se ele for perverso, a cultura será perversa; se for ético, a cultura se fortalece.
3. Criar Canais Seguros de Denúncia
A confiança é restaurada quando o colaborador sente que pode falar sem medo.Canais de denúncia anônimos, imparciais e transparentes quebram o ciclo de silêncio e cumplicidade.
4. Investir em Formação Psicológica e Ética
Treinamentos sobre comunicação não violenta, inteligência emocional e ética nas relações de trabalho ajudam os profissionais a reconhecer sinais de abuso e fortalecer os limites simbólicos.
O Papel da Liderança
Em qualquer estrutura social, o líder é o espelho do grupo.Quando a liderança tolera comportamentos abusivos, ela se torna cúmplice da perversão.Freud (1921) aponta que a coesão de um grupo depende da identificação com um ideal do eu.Um líder ético funciona como esse ideal — inspirando respeito, e não medo.
Liderar eticamente não é apenas uma questão moral, mas uma necessidade psíquica e organizacional.
Conclusão: Ética Como Forma de Saúde Psíquica Coletiva
A perversão no trabalho é, antes de tudo, uma falha de reconhecimento do outro como sujeito.Freud nos ensina que a civilização é construída sobre renúncias pulsionais — o limite, longe de ser opressivo, é o que nos permite viver em sociedade.
“A civilização é construída sobre a renúncia das pulsões.”— Freud, O Mal-Estar na Civilização (1930)
Promover uma cultura ética é, portanto, restaurar o limite simbólico que protege o humano em nós.Empresas que compreendem isso tornam-se mais do que produtivas: tornam-se saudáveis, simbólicas e humanas.
📚 Referências Teóricas
Freud, S.
Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905)
Pulsões e seus Destinos (1915)
Uma Criança é Espancada (1919)
Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921)
O Problema Econômico do Masoquismo (1924)
Fetichismo (1927)
O Mal-Estar na Civilização (1930)
Autores Contemporâneos
Christophe Dejours – A Loucura do Trabalho (1992)
Joel Birman – Mal-Estar na Atualidade (2000)
Maria Rita Kehl – Deslocamentos do Feminino (2003)
Jacques Lacan – A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder (1958)



Comentários