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Perversão e ética: Impacto no trabalho?

Atualizado: há 7 dias

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Perversão e Ética no Trabalho: Quando o Poder Corrompe as Relações Humanas


Imagine um ambiente de trabalho onde a manipulação e a exploração emocional se tornam a norma. Onde a busca incessante por poder individual suplanta a colaboração e a ética profissional.Essa é a realidade que emerge quando a perversão se infiltra nas dinâmicas organizacionais, corroendo a confiança e comprometendo a integridade coletiva.

Neste artigo, exploro o impacto da perversão no ambiente de trabalho, a partir do olhar da psicanálise freudiana — entendendo suas manifestações, consequências e caminhos possíveis para reconstruir um espaço ético e saudável.


O Que É a Perversão Segundo Freud

Na psicanálise, o termo perversão não se limita à esfera sexual.Sigmund Freud, em sua obra clássica Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), mostra que a sexualidade humana é originalmente “perversa polimorfa” — ou seja, o prazer pode se ligar a diferentes objetos e zonas do corpo, antes de se organizar segundo as normas da vida adulta.

Essa ideia amplia o conceito de perversão:

“Nenhum ser humano pode ser considerado absolutamente normal em seu comportamento sexual.”— Freud, 1905

A perversão, portanto, não é apenas um desvio, mas uma forma de relação com o outro. Quando o prazer do sujeito depende do sofrimento ou da manipulação do outro, estamos diante de uma estrutura perversa.

No ambiente de trabalho, isso se traduz em prazer pelo controle, pela dominação e pela humilhação simbólica — o gozo em ver o outro subjugado.


A Perversão nas Relações de Trabalho

No contexto corporativo, a perversão se manifesta por meio de comportamentos manipuladores, desrespeitosos e exploratórios.O “perverso organizacional” costuma utilizar o outro como objeto, e não como sujeito, transformando o ambiente em um palco de jogos de poder.

Essas atitudes se expressam de forma sutil — através de:

  • Comentários sarcásticos e humilhações disfarçadas;

  • Omissão intencional de informações;

  • Desvalorização do trabalho alheio;

  • Isolamento e exclusão de colegas;

  • Sabotagem e difamação.

Freud descreve, em Pulsões e seus Destinos (1915), que o sadismo e o masoquismo representam duas faces de uma mesma dinâmica: o prazer de dominar ou ser dominado. No campo organizacional, essa lógica se repete nas relações de poder, quando o sofrimento do outro se torna fonte de satisfação inconsciente.


A Negação e o Duplo Discurso Ético

Em Fetichismo (1927), Freud introduz o conceito de negação (Verleugnung) — mecanismo psíquico em que o sujeito reconhece uma verdade, mas a desmente para manter seu prazer.No ambiente corporativo, isso aparece como duplo discurso ético: o indivíduo sabe o que é certo, mas age como se as regras não se aplicassem a ele.

É o gestor que fala sobre “respeito e empatia”, mas pratica o abuso de poder; o colega que prega colaboração, mas sabota silenciosamente.Essa negação da ética é uma forma moderna da perversão freudiana: reconhecer o limite e, ainda assim, transgredi-lo.


O Impacto da Perversão no Ambiente Organizacional

Freud, em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), explica que o líder e o grupo se influenciam mutuamente por meio da identificação.Quando a figura de autoridade tem traços perversos — manipulador, narcisista, insensível —, seu comportamento tende a contaminar o coletivo.

As consequências são devastadoras:

  • Assédio moral: humilhações, constrangimentos e perseguições sistemáticas.

  • Clima organizacional tóxico: medo, desconfiança e competição desleal.

  • Queda de produtividade: funcionários desmotivados e emocionalmente exaustos.

  • Aumento do turnover: talentos abandonam a empresa por falta de segurança emocional.

  • Danos à imagem institucional: empresas que toleram abusos perdem credibilidade interna e externa.

Esses efeitos traduzem o que Freud chama, em O Mal-Estar na Civilização (1930), de tensão entre o instinto e a ética — quando o impulso de dominação supera o pacto simbólico da convivência.


Como Mitigar a Perversão e Promover a Ética

Combater a perversão organizacional requer uma resposta simbólica e institucional.Não basta coibir comportamentos pontuais — é preciso reconstruir o laço ético que sustenta o grupo.

1. Estabelecer Políticas Claras e Transparentes

Um código de ética bem definido atua como um superego institucional, delimitando os comportamentos aceitáveis e as sanções aplicáveis.A clareza reduz as brechas onde a manipulação prospera.

2. Promover uma Cultura de Respeito e Empatia

A liderança precisa encarnar os valores que prega.A ética não se impõe por decreto, mas pelo exemplo. Como mostra Freud (1921), o grupo tende a reproduzir o modelo do líder — se ele for perverso, a cultura será perversa; se for ético, a cultura se fortalece.

3. Criar Canais Seguros de Denúncia

A confiança é restaurada quando o colaborador sente que pode falar sem medo.Canais de denúncia anônimos, imparciais e transparentes quebram o ciclo de silêncio e cumplicidade.

4. Investir em Formação Psicológica e Ética

Treinamentos sobre comunicação não violenta, inteligência emocional e ética nas relações de trabalho ajudam os profissionais a reconhecer sinais de abuso e fortalecer os limites simbólicos.


O Papel da Liderança

Em qualquer estrutura social, o líder é o espelho do grupo.Quando a liderança tolera comportamentos abusivos, ela se torna cúmplice da perversão.Freud (1921) aponta que a coesão de um grupo depende da identificação com um ideal do eu.Um líder ético funciona como esse ideal — inspirando respeito, e não medo.

Liderar eticamente não é apenas uma questão moral, mas uma necessidade psíquica e organizacional.


Conclusão: Ética Como Forma de Saúde Psíquica Coletiva

A perversão no trabalho é, antes de tudo, uma falha de reconhecimento do outro como sujeito.Freud nos ensina que a civilização é construída sobre renúncias pulsionais — o limite, longe de ser opressivo, é o que nos permite viver em sociedade.

“A civilização é construída sobre a renúncia das pulsões.”— Freud, O Mal-Estar na Civilização (1930)

Promover uma cultura ética é, portanto, restaurar o limite simbólico que protege o humano em nós.Empresas que compreendem isso tornam-se mais do que produtivas: tornam-se saudáveis, simbólicas e humanas.

📚 Referências Teóricas

Freud, S.

  • Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905)

  • Pulsões e seus Destinos (1915)

  • Uma Criança é Espancada (1919)

  • Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921)

  • O Problema Econômico do Masoquismo (1924)

  • Fetichismo (1927)

  • O Mal-Estar na Civilização (1930)

Autores Contemporâneos

  • Christophe Dejours – A Loucura do Trabalho (1992)

  • Joel Birman – Mal-Estar na Atualidade (2000)

  • Maria Rita Kehl – Deslocamentos do Feminino (2003)

  • Jacques Lacan – A Direção do Tratamento e os Princípios de seu Poder (1958)


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